EVANDRO ALÉSSIO
A Menina e o trem
Há uma cidade no Brasil, em Minas Gerais, que conviveu por muitos anos com a alcunha de “a cidade dos loucos”. Foi no início do século XX que um hospital psiquiátrico foi nela instalado. Com o tempo, milhares de pessoas passaram a ser enviadas para lá, muitas delas em um trem, que vinha de vários cantos do Brasil. Guimarães Rosa retratou o tal trem em um de seus contos: “Soroco, sua mãe, sua filha”. Um vagão – o último – destinado aos incautos futuros pacientes, era especialmente crivado de grades nas janelas para prevenir a “desistência” da internação pelo caminho.
Barbacena, a então famigerada cidade dos loucos, vive até hoje sob a nefasta energia da morte e da injustiça, sofridas por aqueles que não tiveram a chance de evitar ou fugir de uma internação que – na maior parte das vezes – era baseada em critérios minimamente médicos ou científicos.
Muitos acreditam que essa injustiça, de alguma forma acumulada, só poderá ser expurgada à medida que houver o inequívoco reconhecimento de sua existência.
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Júlia acordou novamente no meio da noite – chorando desta vez. A mão cobria o sinal de nascença, no pescoço, de tom avermelhado e em forma de meia-lua, um pouco abaixo da orelha esquerda. Um estranho sonho se repetira; as imagens eram vívidas: No que parecia ser um campo de concentração nazista, durante a Segunda Guerra Mundial, um trem abarrotado de pessoas para numa estação. Há um longo e arrepiante apito. Soldados armados observam o início do desembarque. Velhos, adultos e crianças descem dos vagões. Nas feições, uma mistura de medo e desesperança. Caminham com passos acanhados até serem interpelados pelos militares e conduzidos para algum local. Apesar das cenas lembrarem aquele trágico momento da história, nos sonhos de Júlia tudo é mais escuro, frio e aterrorizante.
E muito mais real
o autor
É Oficial do Quadro de Saúde da Força Aérea, membro da Academia Barbacenense de Letras e autor dos livros "Inteligência Alimentar", "A Energia do Silêncio", "O Queijo e o Beijo de Minas" e "O poeta de Gastropinelândia".
“Pin” foi seu romance de estreia, cujo cenário é o antigo seminário da “Borda do Campo”, em Antônio Carlos - MG, e que foi adotado por várias escolas de Barbacena e região.
A Menina e o trem é seu mais recente romance, fruto de mais de 10 mil horas de dedicação, em 16 anos de trabalho.